Foto: Audiência Geral de 4 de dezembro de 2024 (Vatican Media)
Queridos irmãos e irmãs!
Com o sinal penitencial das cinzas sobre as nossas
cabeças, iniciamos na fé e na esperança a peregrinação anual da Santa Quaresma.
A Igreja, mãe e mestra, convida-nos a preparar os nossos corações e a abrir-nos
à graça de Deus para podermos celebrar com grande alegria o triunfo pascal de
Cristo, o Senhor, sobre o pecado e a morte, como exclamava São Paulo: «A morte
foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó
morte, o teu aguilhão?» ( 1Cor 15, 54-55). Realmente, Jesus Cristo,
morto e ressuscitado, é o centro da nossa fé e a garantia da nossa esperança na
grande promessa do Pai, já realizada n’Ele, Seu Filho amado: a vida eterna
(cf. Jo 10, 28; 17, 3).
Nesta Quaresma, enriquecida pela graça do Ano Jubilar,
gostaria de oferecer algumas reflexões sobre o que significa caminhar
juntos na esperança e evidenciar os apelos à conversão que a misericórdia
de Deus dirige a todos nós, enquanto indivíduos e comunidades.
Antes de tudo, caminhar. O lema do Jubileu –
“Peregrinos de Esperança” – traz à mente a longa travessia do povo de Israel em
direção à Terra Prometida, narrada no livro do Êxodo: a difícil passagem da
escravidão para a liberdade, desejada e guiada pelo Senhor, que ama o seu povo
e sempre lhe é fiel. E não podemos recordar o êxodo bíblico sem pensar em
tantos irmãos e irmãs que, hoje, fogem de situações de miséria e violência e
vão à procura de uma vida melhor para si e para seus entes queridos. Aqui,
surge um primeiro apelo à conversão, porque todos nós somos peregrinos na vida,
mas cada um pode perguntar-se: como me deixo interpelar por esta condição?
Estou realmente a caminho ou estou paralisado, estático, com medo e sem
esperança, acomodado na minha zona de conforto? Busco caminhos de libertação
das situações de pecado e falta de dignidade? Seria um bom exercício quaresmal confrontar-nos
com a realidade concreta de algum migrante ou peregrino e deixar que ela nos
interpele, a fim de descobrir o que Deus pede de nós para sermos melhores
viajantes rumo à casa do Pai. Esse é um bom “exame” para o viandante.
Em segundo lugar, façamos esta viagem juntos.
Caminhar juntos, ser sinodal, é esta a vocação da Igreja. Os cristãos são chamados a percorrer o
caminho em conjunto, jamais como viajantes solitários. O Espírito Santo
impele-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro de Deus e dos nossos
irmãos, e nunca a fechar-nos em nós mesmos. Caminhar juntos significa ser tecelões
de unidade, partindo da nossa dignidade comum de filhos de Deus (cf. Gl 3,
26-28); significa caminhar lado a lado, sem pisar ou subjugar o outro, sem
alimentar invejas ou hipocrisias, sem deixar que ninguém fique para trás ou se
sinta excluído. Sigamos na mesma direção, rumo a uma única meta, ouvindo-nos
uns aos outros com amor e paciência.
Nesta Quaresma, Deus pede-nos que verifiquemos se nas
nossas vidas e famílias, nos locais onde trabalhamos, nas comunidades
paroquiais ou religiosas, somos capazes de caminhar com os outros, de ouvir, de
vencer a tentação de nos entrincheirarmos na nossa autorreferencialidade e de
olharmos apenas para as nossas próprias necessidades. Perguntemo-nos diante do
Senhor se somos capazes de trabalhar juntos ao serviço do Reino de Deus, como
bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos; se, com gestos concretos,
temos uma atitude acolhedora em relação àqueles que se aproximam de nós e a
quantos se encontram distantes; se fazemos com que as pessoas se sintam parte
da comunidade ou se as mantemos à margem. Este é o segundo apelo: a conversão à
sinodalidade.
Em terceiro lugar, façamos este caminho juntos na
esperança de uma promessa. A esperança que não engana (cf. Rm 5,
5), mensagem central do Jubileu, seja para nós o horizonte do caminho
quaresmal rumo à vitória pascal. Como o Papa Bento XVI nos
ensinou na Encíclica Spe
salvi, «o ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa daquela
certeza que o faz exclamar: “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem
a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8, 38-39)». Jesus, nosso amor e nossa esperança,
ressuscitou e, vivo, reina glorioso. A morte foi
transformada em vitória e aqui reside a fé e a grande esperança dos cristãos:
na ressurreição de Cristo!
Eis o terceiro apelo à conversão: o da esperança, da
confiança em Deus e na sua grande promessa, a vida eterna. Devemos
perguntar-nos: estou convicto de que Deus me perdoa os pecados? Ou comporto-me
como se me pudesse salvar sozinho? Aspiro à salvação e peço a ajuda de Deus
para a receber? Vivo concretamente a esperança que me ajuda a ler os
acontecimentos da história e me impele a um compromisso com a justiça, a
fraternidade, o cuidado da casa comum, garantindo que ninguém seja deixado para
trás?
Irmãs e irmãos, graças ao amor de Deus em Jesus Cristo,
somos conservados na esperança que não engana (cf. Rm 5, 5). A
esperança é “a âncora da alma”, inabalável e segura. Nela, a Igreja reza para que «todos os
homens sejam salvos» (1Tm 2, 4) e ela própria anseia estar na glória
do céu, unida a Cristo, seu esposo. Santa Teresa de Jesus expressou isso da
seguinte forma: «Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora.
Vela com cuidado, que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o
certo duvidoso e longo o tempo breve» (Exclamações, XV, 3).
Que a Virgem Maria, Mãe da Esperança, interceda por nós e
nos acompanhe no caminho quaresmal.
Roma, São João de Latrão, na Memória dos Santos mártires
Paulo Miki e companheiros, 6 de fevereiro de 2025.
FRANCISCO
Com informações: VaticanNews