O trabalho de um restaurador consiste em descobrir, por
baixo da fuligem, o traço do pintor ou escultor. Passa o tempo e os contornos
de qualquer obra de arte carregam consigo algo mais que lhe desfigura as formas
originais. Vez por outra, a peça é recolhida e retocada, para retomar os
contornos primeiros. O tempo da Quaresma é ocasião de reassumir as “formas e os
contornos” originais da vida cristã que foram conferidas no Batismo. Tempo de
afinar as cordas com o diapasão da Palavra, de nutrir com a oração o espírito
enfraquecido pelas lutas, cansaços e desvios e de recolorir, com o pincel do
Espírito, a tonalidade das feições de Cristo.
Mas como nas obras de arte, o “restauro” da vida cristã
supõe corajosa revisão, docilidade ao formão divino, grande desejo e esforço de
empreender um árduo caminho até as fontes da fé, mas não fazemos tudo sozinhos.
Conosco está o Cristo que nos traçou o caminho. São quarenta dias adentrando
com Ele no deserto, subindo ao monte, suplicando água à beira da fonte,
restaurando a visão perdida e chorando, à beira do túmulo, a morte como efeito
do nosso pecado. Ele não só nos acompanha, mas nos associa, como seu corpo, à
sua vitória contra as tentações, transfigurando em nós o esplendor da filiação
divina, abrindo a fonte do nosso seio, devolvendo-nos a visão de sua face e
tirando-nos de nossos sepulcros.
Por Ele preparados podemos celebrar a festa da Páscoa como
exultação da vida que renasce da fonte batismal, fortalecida pela unção
espiritual e nutrida na mesa do seu Corpo e Sangue. Os quarenta dias nos
alcançam no ápice da Páscoa, quando o grito contido de vitória poderá então
ressoar o desejado Aleluia de reconhecimento pelas maravilhas que Deus por nós
realizou em seu Filho.
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